"Trágica é a existência daquele que morre sem haver conhecido o motivo de sua vida!”
Tratado da psicologia revolucionária - Samael Aun Weor

23 de out. de 2010

Feminino: Representação máxima de Deus?

Minha mãe, a ruína da minha família
Gostaria de pedir aos amigos que esperem que eu termine para comentar, pois como sou meio prolixa (como toda mulher, falo demais...) posso me estender um pouco.
Meu pai é um de uma dezena de filhos que minha avó, já bem saliente, teve de vários pais diferentes, no extremo norte do Brasil. Dizem que a diaba era a índia mais linda do lugar, e já ouvi histórias de que ela engravidou até de ricaços influentes da região, mas nunca largou do marido, e este nunca largou dela. Meu pai e dois de seus irmãos (por acaso os únicos filhos legítimos do meu avô) se revoltavam com aquilo, e assim que puderam, largaram tudo e vieram morar no Rio.
Cada um tomou seu rumo. Meu pai fez de um tudo: catou caranguejos na lama (fazia isso no Norte) foi vigilante, vendedor  e feira, lutou como um condenado e resolveu estudar, mesmo já sendo adulto. Fez supletivo, escola técnica, conseguiu um bom emprego e, sagaz como era, começou a subir na vida (era o tempo em que o esforço pessoal valia mais que um canudo na mão...). Em alguns anos, tinha uma situação estável.
Foi quando conheceu minha mãe num casamento. Minha mãe era essa descendente de italianos e alemães, branca, loirona dos olhos azuis, criada a pão-de-ló pelo meu avô, um imigrante italiano que fez uma certa vida no ramo comercial. Minha mãe, ao contrário dos meus tios (uma tia e dois tios) desistiu de estudar, almejando tão somente casar, ter filhos e ser uma boa dona de casa. Virgem e religiosa, parecia caída do céu para um rapaz honesto e conservador. Em pouco tempo estavam noivos.
Vieram os filhos, eu (a caçula) e mais dois homens. Meu pai subia na vida como um cometa ascendente, mas não era para menos: seu esforço era claro. Era um pai à moda antiga, rígido, austero, mas ao mesmo tempo carinhoso, do tipo que brincava com os filhos de cavalinho, etc., e que com eles conferia as lições escolares (muito inteligente). Meu pai nem precisava bater: era só um olhar, que nossa alma gelava. Não que eu não tenha levado umas bifas, mas nem por isso virei uma psicopata.
Como começou, eu não tenho lembrança nítida: lembro-me como quem lembra a história de um filme, e não da ordem dos acontecimentos.
O fato é que, meu pai, que tinha conta conjunta com ela no banco, começou a comentar rombos financeiros. Certa vez ligaram do banco a respeito de um saque avassalador, que quase raspou a conta. Ela dava explicações esdrúxulas, eram roupas para crianças, coisas para casa. Ela, que nunca saía de casa, passou a fazer cursos, aulas disso e daquilo, e sumia até altas horas. Meu pai queria satisfações, ela chorava, alegando estar sendo sufocada.
Certo dia, chamou-me para sair. Estávamos no ônibus - eu estranhando um pouco, raramente tomávamos ônibus - e percebo que todos desceram e nós, eu e ela, ainda dentro do ônibus. O ônibus foi para a garagem e eu, boiando como bosta, perguntava para onde íamos. Ela respondeu "a uma festa". Eu deveria ter uns 7 anos. O motorista do ônibus levantou-se, no fim, e a beijou na boca. Eu estaquei gelada. Minha mãe me apresentou a ele, era seu "amigo". Passamos a noite num forró de quinta, minha mãe se esfregando nele e eu num canto, tomando sorvete, amuada, sem saber onde estava. Pensava no meu pai, confusa. Era estranho, eu não entendia o que ocorria, só sabia que era errado. Tanto que perguntei a minha mãe, quando voltamos pra casa, no fim de noite "mãe, você não está arrependida?" e ela me respondeu "eu NUNCA me arrependo de nada. Isso é um segredo nosso tá? você não gostou do tio Paulo (nome fictício)? ele te deu sorvete, batata frita, não foi legal?"
Daí em diante foi uma cadência, ou melhor, uma decadência. Ela se encontrava com Paulo, sempre comigo a tiracolo. Claro que era um ótimo disfarce, uma mãe sair com a filhinha. E melhor ainda, caçulinhas se fossem meus irmãos, quase adolescentes, nunca que aconteceria. E foi-se o Paulo, e veio (vou usar nomes fictícios) o Oscar... Eu ficava com a cabeça em chamas, deveria falar com meu pai? Ele não iria ficar com raiva de mim? Já com 8 anos, pedi a minha mãe que não fizesse mais aquilo com meu pai, a resposta dela "deixa de ser boba, ter um pai é legal, não é melhor ter dois?", isso quando estava com o Oscar, que riu e me disse "de hoje em diante vou te chamar de filhinha, tá bom?" E o maldito passou a se comparar ao meu pai, me chamava de filha! Eu ficava muda, paralisada pela impotência.
A gota d'água veio quando ela reencontrou um antigo namorado, Sérgio. Sérgio era cativante e nos levou a um parque de diversões, passamos um dia juntos, e eu não vi eles se beijando. Na minha mente infantil (oito anos a 25 anos era BEM diferente de hoje, era muito tapada, mesmo) este era realmente amigo! E tudo ficou comprovado quando no meu aniversário de 9 anos Sérgio trabalhou na minha festa de aniversário como fotógrafo. Ora, então estava tudo certo! Meu pai e Sérgio no mesmo lugar, se cumprimentando, este não era inimigo. Sérgio era diferente, ele era brincalhão e nunca se encostava à minha mãe.
Tudo engodo. Certo dia meu pai viajou a trabalho e minha mãe me pegou pela mãe dizendo "vamos visitar o tio Sérgio", eu disse "vamos falar com Danilo e Fernando"(meus irmãos - nomes falsos também) ao que ela se recusou. Lá na casa do tal Sérgio, tudo legal. Havia crianças, sobrinhos dele, e a irmã dele, uma moça meio chatinha que ficava me perguntando se eu gostava do "tio" Sérgio. Coisa sem sentido. Fui ao banheiro.
Havia dois, me disseram um embaixo e um no segundo andar. O do térreo estava aberto, mas assim que vi que tinha escada caracol, quis subir por ali - adorava escadas caracol - e fui para o segundo andar.
Seguindo pelo corredor, ouvi a voz da minha mãe, que não via já um tempinho. Abri a porta de onde vinha sua voz, e a vi sem blusa, por cima de Sérgio, os dois rindo baixinho. Não me lembro do que se sucedeu. Apagou-se da minha mente. Engraçado, né? Eu forço, forço e nada. Nunca perguntei a ela se ela me viu o que eu falei, enfim, não teria importância, a farsa tinha os dias contados. Ela simplesmente sumira de casa por quatro dias, sem deixar rastros. Meu pai ficou louco, procurando-a, ligando para meio mundo. Foi quando eu falei com Fernando, meu irmão mais velho. Contei tudo a ele, e ele, furioso, me bateu. Danilo o tirou de cima de mim, e naquela confusão, meu pai enfim, soube de tudo.
Meu pai foi muito frio. Escutou-me com uma expressão que nunca vou me esquecer. Naquela noite, não conseguimos dormir, ouvindo os soluços dele. Ele chorou a noite inteira. Penso que já desconfiava. Fernando me pediu desculpas e choramos os três, no escuro.
Meu pai contratara um detetive particular. A coisa foi comprovada, ficou tudo muito feio e veio à tona. Nem era um só amante que ela tinha, não. Ela ainda tentou se explicar, mas as evidências eram mais fortes. Havia fotos e havia até mesmo uma carta, encontrada pelo meu pai, nos últimos dias. Ela não teve remédio a não ser ir embora. Antes, jogou na cara do meu pai que tudo era culpa dele, que ele não a fazia feliz, que ele era um cara sem graça e "que não a deixava viver". Ela, que casara virgem, precisava viver! Imagina morrer, apenas com a experiência de "um homem só"!
Ficamos anos sem vê-la. Meus irmãos ficaram estranhos comigo por um tempo, mas depois voltamos a ser unidos, devido à doença de meu pai. Ele caíra em depressão após o processo, perdera muito dinheiro para tirar minha guarda dela, viu seus sonhos desmoronarem; há anos juntava dinheiro para comprar uma casa em Angra dos Reis, com piscina, para passar as férias com a família. Tudo foi para o ralo, com os trâmites judiciais e com tratamentos.
Meu pai nunca mais foi o mesmo homem. Descontrolava-se à toa, revirava os olhos de fúria por qualquer coisa, ficou muito agressivo. Noutras horas ficava amuado, sem dizer uma palavra. Uma vez escutei-o soluçando e corri para os braços dele. Ele me disse: "Eu estou bem, filhinha. Eu estou bem, tá bom?" Era um farrapo humano. Para quem acha que ele exagerava, toda a cidade soubera. Era corneado há mais tempo ainda, antes mesmo de quando me levou para sair pela primeira vez com um amante dela.
Não houve jeito senão se mudar. Viemos para a capital. Precisaram quase sete anos para ele se amarrar numa outra mulher (e nesses sete anos nunca soubemos dele com nenhuma outra mulher - bem que uma ou outra empregada tentou, vendo ali a chance de fazer uma boa vida, mas ele as repelia e despedia na cara). O destino recompensou seu sofrimento, minha madrasta é muita gente fina, e eles vivem muito bem, até hoje. Eu reencontrei minha mãe, anos depois, morava com um homem que, aparentemente, a pusera nos trilhos. Não senti nada quando ela me abraçou, chorando e pedindo perdão. Era como se meu peito fosse oco.
Danilo, o filho do meio, não quis vê-la. Fernando hesitou muito, mas tratou-a secamente. Hoje em dia, considero que a perdoei, embora não esqueça. Fernando a tolera. Danilo nunca quer vê-la. E diz que cuspirá no seu túmulo.
Eu cresci assim, criada por pai, na companhia de dois irmãos, cercada pelos amigos destes, num universo masculino, no qual a única presença feminina a tudo devastara.
Creio que me estendi deveras. Pensei que iria ao menos, lacrimejar. Mas a única hora em que senti certa ardência acima da pálpebra foi quando me lembrei do pranto noturno do meu pai.

Autor: Shâmtia:
Fonte: Reflexões Masculinas

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