Por Marli Nogueira
Resumo: "Quando uma estatística aponta que "75% dos homicídios contra as mulheres no Brasil são cometidos pelos próprios parceiros sexuais", isso não significa o mesmo que afirmar que "no Brasil, 75% dos parceiros sexuais matam suas mulheres".
Já está completando um ano da entrada em vigor da Lei nº 11.340/06, a chamada "Lei Maria da Penha", editada com o propósito de criar mecanismos para coibir a violência contra a mulher.
É evidente que há casos de violência que nos deixam revoltados. Mas algumas coisas importantíssimas devem ser pensadas sobre o assunto, para que possamos concluir que não temos, entre nós, a chamada "violência contra a mulher", a exigir a elaboração de lei tão injusta e discriminatória.
No Brasil, quando o marido bate na mulher, ele não está praticando um ato de "violência contra a mulher". Está praticando um ato de violência contra a mulher dele, o que é completamente diferente. Violência "contra a mulher" ocorre quando essa prática se dá em virtude do gênero, independentemente da existência ou não de algum vínculo entre o agressor e a agredida. É o que acontece, por exemplo, em países em que a mulher, apenas por ser mulher, é apedrejada pela população quando comete adultério ou se comporta de maneira incompatível com as normas religiosas. É o que ocorre, ainda, nos países que praticam a mutilação clitoriana porque "mulher não pode ter prazer". Aí sim, podemos falar de violência contra a mulher de forma geral. A diferença é sutil, mas de suma importância para a compreensão do problema. É preciso estar atento a essas sutilezas, que é para não cair em armadilhas montadas por gente mal intencionada, cujo objetivo não é, certamente, o de melhorar as condições de vida da sociedade brasileira.
O fato de em alguns países haver esse tipo de violência (contra o gênero, e não apenas do marido contra sua própria mulher) não nos autoriza a editar uma lei específica para proteção de todas as mulheres brasileiras, na medida em que não temos (pelo menos até o momento) nenhum tipo de violência praticada em razão do gênero. No Brasil, todos os casos de violência entre o casal se dão por problemas havidos com o próprio casal, e não por uma idéia preconcebida que o marido, ou a sociedade, tenha com relação a toda e qualquer mulher pelo fato de ela ser mulher. Tanto é assim, que ninguém vai às ruas para ajudar o marido a bater na mulher caso ele descubra que ela o está traindo (ao contrário do que costuma acontecer em alguns outros países). E se a briga é apenas entre o marido e a mulher dele, ninguém tem nada a ver com isso! Esse não é um problema de "direitos humanos" entre nós. É um problema de educação, que acomete casais de todas as classes sociais, embora seja mais freqüente em umas do que em outras. Nada mais do que isso.
Por mais significativos que sejam os dados estatísticos brasileiros referentes à violência doméstica contra a mulher (e é o próprio legislador quem, usando esse termo, reconhece que a violência não é de gênero, mas meramente entre o casal), eles ainda não atingiram (e acho que jamais atingirão) a maioria dos casais. Não haverá quem concorde com a afirmação (jamais feita, diga-se de passagem) de que mais da metade dos casais brasileiros apresente algum caso de grave violência. E se menos da metade apresenta esse tipo de violência, não se justifica, de forma alguma, a criação de uma lei específica para "proteger" a mulher brasileira. Porque não é a mulher brasileira quem precisa de proteção. É aquela mulher específica. E para isso, já temos o nosso Código Penal.
Quando uma estatística aponta que "75% dos homicídios contra as mulheres no Brasil são cometidos pelos próprios parceiros sexuais", isso não significa o mesmo que afirmar que "no Brasil, 75% dos parceiros sexuais matam suas mulheres". Essa é outra distinção importantíssima para se pensar com clareza no problema, sob pena de se extraírem ilações completamente falsas, como vem acontecendo (aliás, análises de dados estatísticos têm constituído um problema dos mais sérios no Brasil).
No Brasil, o problema de violência doméstica contra a mulher decorre de questões estruturais (principalmente falta de educação), e não de uma discriminação de gênero. E essa já seria uma razão suficiente para não se criar uma lei tentando "resolver" o problema. Educação é algo que começa a partir do nascimento, passa inicialmente pela família, depois pela escola e, daí por diante, a própria vida se encarrega de aperfeiçoá-la (ou até mesmo destruí-la). Quando o Brasil realmente se desenvolver (o que não ocorrerá tão cedo, infelizmente), criando condições de um bom nível de empregabilidade, aumentando o nível de renda das pessoas (mas por medidas que visem ao desenvolvimento, e não por medidas de cunho coletivista, como essa de garantir estabilidade no emprego para a mulher agredida por seu parceiro), aí poderemos ter certeza de que a violência havida entre os casais tenderá a diminuir consideravelmente.
Somente devem ser criadas leis para uma minoria específica quando essa minoria realmente não tiver outro caminho para sanar os seus problemas. É o caso, por exemplo, de uma lei que obrigue os estabelecimentos comerciais, os estabelecimentos bancários e os de outros serviços a manter rampas de acesso para paralíticos (jamais direi "cadeirantes", porque a cada termo eufemístico introduzido na linguagem, maior será a discriminação; esse controle estatal pelo uso de uma linguagem "politicamente correta" é algo tão assustador, que mereceria um outro artigo). Nessa hipótese, como o paralítico não deixará de ser paralítico (a não ser por algum milagre divino), é evidente que compete ao Estado dar-lhe condições de ter uma vida o mais semelhante possível àquela que levam os que não portam qualquer tipo de deficiência. Mas muitas mulheres (na verdade, a maioria) que sofrem algum tipo de agressão por parte de seus parceiros, têm, sim, um outro caminho. E, dentre estas, também a maioria costuma adotá-lo.
Quando o legislador cria uma estabilidade no emprego para a mulher agredida por seu parceiro sexual, como previsto na Lei Maria da Penha, ele está simplesmente transferindo, para terceiros, o ônus de um problema para o qual esse terceiro sequer concorreu. A medida revela um distanciamento descabido entre a lei e a justiça, o que é extremamente triste, para dizer o mínimo.
No Brasil há uma mania incorrigível de se instigar a luta de classes: pobres contra ricos, negros contra brancos, empregados contra patrões, não-proprietários contra proprietários, etc. Agora, infelizmente, criou-se mais esta: a luta das mulheres contra os homens, colocando-as num patamar superior ao deles em termos de proteção por parte do Estado (a despeito de não termos qualquer tipo de discriminação baseada no gênero), ao mesmo tempo em que as coloca em um patamar inferior, na medida em que se parte do princípio de que elas jamais serão capazes de encontrar, pelos meios privados, uma solução para o seu problema (igualmente privado), coisa que não ocorre quando a violência se dá pela mulher contra o marido.
Se, como vimos, não temos aqui uma violência indiscriminada contra a mulher, não há justificativa plausível para a edição da Lei Maria da Penha. Parece-me que já temos problemas demais para querermos "importar" mais este.
"Le propre domaine de la Loi et des Gouvernements, c´est la Justice."
(FRÉDÉRIC BASTIAT)
(FRÉDÉRIC BASTIAT)
Marli Nogueira é Juíza do Trabalho em Brasília.
2 comentários:
PelamordeDeus!!! A Lei Maria da Penha é uma vitória contra a truculência e o desrespeito! Você sabe a história da Maria da Penha, que deu nome à Lei??? E você acha que a Lei é "INJUSTA"???
: (
Oi Maya,
Não sou eu quem estou dizendo, é a Juíza do trabalho Marli Nogueira. Agora, confesso que concordo com ela. Já temos leis para proteger o "ser humano" contra as mais diversas "humilhações". Se elas não são cumpridas, de que adianta mais leis para esta ou aquela classe privilegiada de individuos? Somos todos os iguais Maya, eu, você, os negros, o pobre, o homossexual e todos merecemos respeito. A vida não é tão complicada mas adoramos complicar tudo.
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